Na noite de 31 de outubro de 1517, o reformador alemão Martinho Lutero
(1483- 1546) afixou na porta da igreja do castelo de Wittenberg 95 teses contra
as indulgências da igreja medieval. As teses sacudiram o país alemão e em pouco
menos de trinta dias já tinham chegado à Itália. Escritas em latim, às teses
foram traduzidas para o alemão, holandês e espanhol. Cerca de quatro anos
depois o Imperador Carlos V convocou sua primeira dieta imperial na cidade de
Worms para entre outros assuntos colocar um fim na reforma deflagrada por
Lutero. Os trabalhos iniciaram em fevereiro e se estenderam até o mês de maio
de 1521. No dia 18 de abril, uma quinta feira, Lutero foi conduzido ao local da
assembleia que se encontrava lotada, o número dos que ocupavam as ante-salas,
as janelas e as escadarias somavam 5 mil pessoas [1]. Na ocasião, o reformador
foi instigado a retratar-se de seus escritos e sua resposta diante daquela
multidão entrou para a história como uma declaração de convicção e fé nas
Escrituras Sagradas:
“Minha consciência está atrelada à palavra de Deus. Enquanto não me
tiverem convencido pelas Sagradas Escrituras, não posso nem quero retratar-me
de coisa alguma, pois é perigoso agir contra a consciência” [2]
Como resultado de sua postura, no dia 26 de maio de 1521, um decreto
imperial conhecido como Edito de Worms condenou o reformador por heresia,
determinou a execução da bula papal com a excomunhão e ordenou a queima dos
escritos e livros de Lutero. O edito também autorizava a prisão e o saque dos
bens de todos quantos aderissem ou simpatizassem com as ideias do reformador.
Mesmo diante de tal nefasto decreto, a reforma não pode ser contida. Desse
modo, em 1529, Carlos V voltou a convocar à Dieta Imperial, desta vez na cidade
de Espira, com a intenção de combater a reforma, ratificar o Edito de Worms e
impor o catolicismo na Alemanha. A reunião transcorreu no período de 19 a 25 de
abril daquele ano. Após intensos e calorosos debates em que os representantes do
imperador e do papa desejavam suspender o direito a liberdade religiosa e
restabelecer a religião católica no país, os líderes alemães indignaram-se e
redigiram um documento de protesto. Ao total, seis príncipes assinaram e 14
cidades imperiais livres subscreveram a carta:
“Protestamos pelos que se acham presentes [...] que nós, por nós e pelo
nosso povo, não concordamos de maneira alguma com o decreto proposto, nem
aderimos ao mesmo em tudo que seja contrário a Deus, à Sua santa Palavra, ao
nosso direito de consciência, à nossa salvação. [...] Por essa razão rejeitamos
o jugo que nos é imposto. [...] Ao mesmo tempo estamos na expectativa de que
Sua Majestade imperial procederá em relação a nós como príncipe cristão que ama
a Deus acima de todas as coisas; e declaramo-nos prontos a tributar-lhe, bem
como a vós, graciosos fidalgos, toda a afeição e obediência que sejam nosso
dever justo e legítimo” [3]
A partir deste episódio histórico os adeptos e simpatizantes das ideias
de Lutero com a consequente reforma da igreja receberam a alcunha de
“protestantes”. Já o conceito de “protestantismo” surgiu no século XVI com o
propósito de fundir uma série de eventos que contribuíram para a transformação
da igreja cristã. Na verdade, após as 95 teses de Lutero, a igreja experimentou
programas de reformas diversos e distintos em todo o mundo. Porém, foi a partir
de Wittenberg que a teologia escolástica e o aristotelismo deram lugar a uma
nova teologia com ênfase na Bíblia. O lema adotado por Lutero “renovar e não
inovar” passou a ser um padrão para o protestantismo onde o movimento se
instalava. Como resultado dessas transformações surgiram uma variedade de
ramificações e denominações cristãs e cada qual adotou um modelo de reforma
para ser seguido.
Em decorrência, os reformadores nem sempre estavam concordes em suas
posições doutrinárias. Desde o começo aconteceram divergências quanto à
necessidade de reformar este ou aquele ponto doutrinário. Evidente que estes
fatos não são deméritos e nem colocam a reforma em descrédito. A reforma deve
ser entendida como um movimento de transformação. Como se convencionou afirmar
“sempre reformando”. E já no período clássico da reforma surgiu a “reforma
radical” que desejava não apenas reformar, mas restaurar a igreja à sua pureza
original. Essa ênfase foi considerada uma “reforma da Reforma”, ou uma
“correção da correção do catolicismo” [4]. Deste modo, no período da Reforma,
confissões, credos e declarações de fé protestantes passaram a ser promulgadas.
Estes documentos depois de aprovados passavam a ser a interpretação autorizada
das Escrituras como norma de fé e prática deste ou daquele determinado segmento
protestante.
Assim, as confissões de fé tornaram-se marcas da Reforma Protestante, dentre
elas, destacam-se a Confissão de Augsburgo (Lutero), elaborada por Filipe
Melânchton em 1530; as Confissões Helvéticas (Zuínglio), a primeira em 1534, e
a segunda em 1566, sendo esta preparada por Heinrich Bullinger; a Confissão de
Fé Gaulesa (João Calvino), elaborada em 1559; a Confissão de Fé Escocesa (John
Knox), preparada em 1560; a Confissão Belga (Guido de Brés), elaborada 1561; o
Catecismo de Heidelberg (Ursino e Oleviano) em 1567; a Confissão de Fé da
Igreja Anglicana (Matthew Parker) escrita em 1552 e revisada em 1563; a
Remonstrância (Armínio), escrita em 1610 e que culminou com a Confissão
Arminiana em 1621, elaborada por Simão Episcópio. E por fim, a última delas no
período da Reforma, a Confissão de Fé de Westminster (Britânica), produzida
entre 1643 e 1647.
Mercê destes fatos e seguindo o legado dos reformadores, as Assembleias
de Deus no Brasil, no ano de aniversário de 500 anos da Reforma Protestante e
no período pós-centenário do pentecostalismo assembleiano, por ocasião da 42ª
Assembleia Geral Ordinária da CGADB (Convenção Geral das Assembleias de Deus no
Brasil), em abril de 2017, aprovou por unanimidade de seus Ministros a sua
“Declaração de Fé”. O documento é constituído de 16 artigos de fé intitulado de
“cremos” o que pode ser considerado como “credo menor” e a “Declaração de Fé”
propriamente dita que contém 24 capítulos e que pode ser identificada como
“credo maior”. O documento ressalta a marca pentecostal das Assembleias de Deus
enquanto desponta como a maior denominação religiosa protestante do país. No
entanto, a primordial finalidade da “Declaração de Fé” das Assembleias de Deus
é usar o documento como proteção contra os modismos e as falsas doutrinas,
contribuir para a unidade do pensamento teológico e ortodoxia cristã para “que
digais todos uma mesma coisa” (1 Co 1.10) e, de modo especial, fazer com que
tudo culmine para a Glória de Deus (Soli Deo Gloria).
Douglas Roberto de Almeida Baptista
Pense nisso!
Referências bibliográficas
[1] JUST, Gustav. Deus despertou Lutero. Porto
Alegre: Concórdia, 2003. p. 77.
[2] SAUSSURE, A. de. Lutero o grande reformador.
Rio de Janeiro: Vida, 2003. p. 73.
[3] D’AUBIGNÉ, M. História da Reforma do Século
XVI. Genebra, 1846. Lv. 13, cap. 6. p. 964
[4] GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. São
Paulo: Vida Nova, 2007. p. 254.
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