A igreja católica da Idade Média, por ocasião do
Concílio de Constança (1415) vedara aos fiéis à participação do vinho por
ocasião da celebração da Ceia do Senhor (eucaristia). Pouco mais de 100 anos
após este Concílio, em 1519, o reformador alemão Martinho Lutero (1483-
1546) publicou alguns sermões “sobre os sacramentos” apontando o erro em não
servir o cálice aos servos de Cristo. No dia 6 de outubro de 1520 em sua obra “Do
cativeiro babilônico da Igreja” o reformador dedicou-se, entre outros
temas, a defender a participação dos leigos tanto no pão como no vinho por
ocasião da Ceia do Senhor. Neste escrito Lutero desfez exegeticamente as teses
contrárias, estabeleceu a comunhão do pão e do cálice para todos os crentes e
concluiu:
“Mateus, Marcos e
Lucas concordam entre si que Cristo teria dado todo o sacramento a todos os
seus discípulos, e é certo que Paulo tenha dado as duas espécies; de modo que
nunca houve alguém tão desavergonhado ao ponto de afirmar outra coisa [...] É
ímpio e tirânico negar ambas as espécies aos leigos, nem esta nas mãos de anjo
algum e menos ainda do papa e de qualquer concílio”[1].
Nesta mesma obra, Lutero discordou da doutrina da
transubstanciação definida no IV Concílio de Latrão, em 1215. Esta
teoria escolástica ensina que na ocasião da consagração do pão e do vinho
eles se transformam literalmente no corpo e no sangue de Cristo. O reformador
foi incisivo ao afirmar que não sendo possível “supor uma transubstanciação
feita pelo poder divino, deve-se tê-la por ficção da mente humana, pois não se
apoiam em nenhuma Escritura, nem em nenhum argumento racional”[2]. Não obstante, Lutero defendia o
principio da ubiquidade (faculdade divina de estar presente no pão e no vinho).
Em contrapartida para o reformador na Suíça, Ulrico Zwinglío
(1484-1531) a Ceia do Senhor devia ser entendida como memorial e
comemoração, uma representação simbólica do ato sacrificial único e suficiente
de Cristo[3]. Assim, os reformadores discordaram
conceitualmente acerca da instituição da Ceia do Senhor. Para Lutero a ceia era
um sacramento (meio de graça) e para Zwinglío uma ordenança (uma ordem de
Cristo). O reformador holandês Jacó Armínio (1560-1609) também
discorreu sobre o tema no debate LXIV, onde ensinou:
“A matéria é o pão e o vinho que, com
respeito á sua essência, não são alterados, mas permanecem o que eram
previamente; tampouco, são, com respeito a lugar, unidos ao corpo ou ao sangue,
de modo que o corpo não está sob o pão, nem no pão, nem como o pão, etc., nem
no uso da Ceia do Senhor, o pão e o vinho podem ser separados, de modo que,
quando o pão é oferecido aos leigos, o cálice não lhes deve ser negado” [4]
Concordes com os reformadores em que os elementos
da Ceia do Senhor (pão e vinho) devem ser servidos para todos e que os
elementos não sofrem transubstanciação, embora com as devidas peculiaridades
quanto à significação de tal ordenança, a “Declaração de Fé”, o credo maior
assembleiano professa o seguinte a respeito da Ceia do Senhor:
“Rejeitamos o termo “sacramento” e
usamos a palavra “ordenança”, do latim ordo, “fileira, ordem”
[...]. Essas ordenanças não transmitem qualquer poder místico ou graça
salvífica, mas são um rito simbólico universal e pessoal que apontam para as
verdades centrais da fé cristã [...] Ela é ministrada a todos os crentes
em Jesus, batizados em águas, em plena comunhão com a Igreja [...] Tendo
Jesus ministrado pessoalmente os dois elementos aos seus discípulos, fica
cabalmente demonstrado que as expressões “isto é o meu corpo” e “isto é o meu
sangue” não são literais, mas referem-se a uma linguagem metafórica”.[5]
Deste modo, a Assembleia de Deus reconhece
que a ordenança da Ceia foi instituída diretamente pelo Senhor Jesus para
todos os crentes, que deve ser celebrada após um autoexame e reflexão
sobre a conduta pessoal, sendo um rito contínuo da Igreja visível,
instituído com dois elementos – o pão e o cálice - como memorial da morte de
Cristo até a sua vinda em poder e glória (1Co 11.26).
Não menos importante, outro legado da Reforma Protestante
diz respeito ao batismo nas águas. O movimento da Reforma sofreu transformações
cruciais à medida que ia se afastando cada vez mais do ranço doutrinário
imposto pela igreja medieval. Lutero ensinava que o batismo era submersão e que
a sua eficácia não estava na fé de quem batizava, mas na fé de quem recebia.
Discorria o reformador que o batismo significava duas coisas: morte e
ressurreição, isto é, a justificação plena e consumada[6]. Por outro lado, Lutero defendia o
batismo infantil aceitando a fé substitutiva dos pais, padrinhos e da igreja.
Sob este aspecto Lutero foi seguido por Zwinglío e também por João Calvino
(1509-1564), o reformador da França.
Todavia, em consequência do princípio de “Sola
Scriptura” outros reformadores argumentavam que o batismo infantil não era
bíblico. Afirmavam não existir, no Novo Testamento, nenhuma menção quanto a
esta prática e nenhuma ordenança para o batismo de crianças. Doravante,
passaram a ensinar que somente o adulto atendia à pré-condição para o batismo,
ou seja, a fé evidente, obviamente a fé era algo inatingível para bebês e
recém-nascidos. A este ensino e prática deu-se o nome de “anabatismo” (batizar
de novo). Por volta de 1525, o anabatismo suíço emergiu dos discípulos radicais
de Zwínglio. Entretanto, o maior expoente anabatista foi o holandês Menno
Simons (1496-1561). Menno ao estudar Lutero, Zwínglio e Calvino chegou a
conclusão que “todos estavam equivocados sobre o batismo infantil”[7], e assim, em 1532 começou a pregar a
partir da Bíblia Sagrada a necessidade dos adultos batizarem-se novamente.
No “credo menor” assembleiano, o item nove professa
a crença “no batismo bíblico efetuado por imersão em águas, uma só vez, em
nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” [8] (Mt 28.19; Rm 6.1-6; Cl 2.12). A
“Declaração de Fé” amplia este entendimento e ensina que “o batismo é uma
ordenança divina; é, em si, um ato de compromisso e profissão de fé; é um ato
público em confirmação daquilo que já possuímos — a salvação pela fé em Jesus”
e ainda acrescenta que o batismo infantil não é praticado “por não haver
exemplo de batismo de crianças nas Escrituras e por não ser o batismo um meio
da graça salvadora” [9].
Conclui-se então que o resgate das ordenanças
segundo o modelo bíblico é resultado dos movimentos de Reforma da Igreja, e
ainda, que o credo das Assembleias de Deus – o maior movimento pentecostal
brasileiro – também no quesito das ordenanças encontra-se em sintonia com o
credo dos reformadores.
Pense nisso!
Douglas Roberto de Almeida Baptista
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